Para o professor Luciano Santos a religião existe para responder as profundas inquietações do ser humano |
1) De acordo com os dados da pesquisa da
Fundação Getúlio Vargas, intitulada “Novo Mapa das Religiões”, no Brasil 89% de
sua população acredita que a religião é importante. Por outro lado, temos uma
grande transição de pessoas entre as religiões e um número significativo dos
que se declaram sem religião. Como interpretar essa realidade? Qual é o papel
da religião na vida humana atualmente?
Creio
que a importância atribuída à religião por uma parcela tão expressiva da
população brasileira se deve, em primeiro lugar, a um dado histórico básico: a forte
presença do elemento religioso nas matrizes culturais ameríndia, ibérica e
africana que atuaram na formação do povo brasileiro. A religiosidade está, por
assim dizer, em nosso “DNA” cultural; atua em nossos extratos anímicos mais
profundos e é uma das mais poderosas fontes simbólicas de nosso imaginário. Acrescente-se
a isto o fato de o Brasil ainda ser
uma nação predominantemente agrária (tendência em franca reversão) e de haver entrado
somente há pouco mais de um século na modernidade técnica-científica-urbana-industrial,
com sua mentalidade republicana e secularista, que afirma a auto-suficiência da
razão e advoga a supremacia dos valores laicos sobre os religiosos.
No entanto,
se a secularização ainda não se mostrou suficiente para arrancar as fundas
raízes de nossa histórica religiosidade, ela já exerce uma influência poderosa em
amplas camadas da sociedade, sobretudo nas classes mais abastadas dos grandes
centros urbanos, o que parece explicar o número crescente dos que se declaram
sem religião. Por vezes, para pessoas de certo poder aquisitivo, bem instruídas
e de alta competência profissional, esclarecidas, críticas, que viajam pelo
mundo e manejam os mais sofisticados aparatos tecnológicos, pode soar “primitivo”
aderir a artigos de fé sem manifesto respaldo científico, provindos das
profundezas de um Passado que já parece definitivamente ultrapassado. Quanto à alta mobilidade entre as religiões
registrada na pesquisa, um importante fator é a gradual e intensa perda de
hegemonia social da Igreja Católica desde o século passado, que corresponde a
um mais amplo processo de “descristianização” já em curso nos países
desenvolvidos do Ocidente.
Com esse
refluxo da Cristandade tradicional, abre-se um significativo espaço no campo
das crenças, ocupado nos anos 1980 pelo espiritismo e pelas manifestações do
esoterismo New Age, especialmente
entre jovens e adultos de classe média, e, também e cada vez mais, pelas igrejas
neo-pentecostais, de crescimento avassalador nas camadas populares. Essa
intensa migração entre as religiões é ainda favorecida por algumas características
culturais da sociedade contemporânea (por alguns chamada de “pós-moderna”), a
exemplo da “atomização social” e do individualismo, que hipertrofia o sujeito e
o erige em centro da existência; e do consumismo, que reduz as coisas a objetos
de satisfação desse sujeito isolado em si mesmo.
Nesse contexto, nasce uma
religiosidade self service e fast food, híbrida, mutante e “fluida”, feita
“ao gosto” do indivíduo e de seus interesses momentâneos, e incapaz de
mobilizar adesões profundas e compromissos a longo prazo. Por outro lado, como
a religião existe para responder a uma incontida exigência de sentido do coração
humano, a busca por formas autênticas de espiritualidade tende paradoxalmente a
intensificar-se, hoje em dia, na mesma medida em que se desmascaram as formas
descartáveis de religiosidade e as ilusões do consumismo, que confunde
felicidade com bem-estar individual.
Luciano Costa Santos é Professor Adjunto de Filosofia da Universidade do Estado da Bahia (UNEB) e Professor Convidado da Pós-Graduaçãoem Filosofia Contemporânea
da Faculdade São Bento da Bahia (FSBB). Doutor em Filosofia pela Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), com estágio no Institut
Catholique da Paris. É autor de “O Sujeito Encarnado – a Sensibilidade como
Paradigma Ético em
Emmanuel Levinas ” (Ed. UNIJUÍ), entre outras obras. Email:
lucostasantos1@gmail.com
Luciano Costa Santos é Professor Adjunto de Filosofia da Universidade do Estado da Bahia (UNEB) e Professor Convidado da Pós-Graduação
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